O jovem Marco Aurélio vivia num premiado edifício modernista na rua Prudente de Moraes, entre a Montenegro e a Joana Angélica, com a família e o vizinho e melhor amigo Virgílio. As linhas retas do Estrela de Ipanema se destacavam, opondo-se à vista para o arredondado morro Dois Irmãos, na praia mais famosa do mundo. A humanidade interferia na linha da natureza. A utopia se imaginava capaz de intervir na natureza humana. O edifício tinha uma urgência vital e flutuava no espaço, sobre suas oito colunas e um pé-direito de quatro metros. Como uma estação em órbita.

Mas o paraíso e a beleza estavam apenas na fantasia. Não havia elegância na vida dos frequentadores. Desigualdade social, incesto e estupro se misturavam numa dinâmica que espelhava o Brasil que a arquitetura não conseguia maquiar. Nem a caminho do mar os conflitos humanos se tornavam graciosos.

O prédio é um filtro, que busca organizar o caos social do Rio de Janeiro; um fio de esperança, onde antes era mangue, e mangue fede, na cidade da falsa felicidade, no país sempre atolado em dívidas sociais, em que é mais importante fingir estabilidade do que construí-la moralmente. “Vista do Rio” é a obra de peso de Rodrigo Lacerda, um autor doutor em literatura comparada pela USP, que faturou Jabuti, prêmios Academia Brasileira de Letras e APCA, e nasceu entre e para os livros.